terça-feira, 7 de setembro de 2010

O arranjo de Nápoles

Texto de André Pinheiro Machado
Foi quando o silêncio se fez presente. Infestou o ambiente com a ausência de tudo. Ain Soph não sentia no rosto a velocidade do vento. Não ouvia folhas e frutas caindo. Estava sentado, com as costas apoiadas no tronco daquela árvore. Tranquilo. Com os olhos fechados. Não sentia odores, via cores ou experimentava qualquer sabor. Estava ali. Simplesmente estava. Como se jamais estivera antes.

Ain Soph tinha apenas a impressão convicta de que seu nome ainda não estava completo. Decidiu que, naquela maré de ausências, simplesmente ficaria ali onde estava. Imóvel. Irredutível. Num momento de repouso naquela tarde escaldante do verão em Nápoles.
Estava mergulhado num mundo evidente e sem formas, em condições muito abstratas de sua própria existência. Sabia, no entanto, sobre a importância em definir uma posição para que pudesse sair de vez daquela situação de ausências.

Foi quando definiu sua própria posição. Imaginou um ponto. Ain Soph reconhecia que, caso houvesse algo além do nada, esse algo somente poderia começar com uma posição fixa. Esta era a primeira condição para que começasse a transformar sua própria existência.

Foi então que entendeu: um simples ponto continuará sem significado algum se não puder ser comparado com alguma outra coisa, pois continuará para sempre sendo apenas um ponto!
O único modo para tentar solucionar o mistério no qual estava imerso era inserir um outro ponto.
Quando imaginou os dois pontos, Ain Soph, instantâneamente, fez o traço mental de uma linha. Mas seus problemas não terminavam ali. Pelo contrário. Alheio às coisas ao seu redor, pois ainda não existiam coisas ao seu redor a não ser a inexistência de coisas contidas na sua própria composição, sabia que dois pontos não implicavam em medir distâncias. Ele apenas considerava que existiam duas coisas. Dois pontos capazes de conversar e interagir um com o outro, mas sem saber a que distância estavam. Era preciso haver uma terceira coisa.

Era necessário um outro ponto.


Incidentalmente, Ain Soph mostrava a si mesmo, com a criação do terceiro ponto, a existência do plano. Estava criado o triângulo. E, com ele, o todo da Geometria Plana.


No entanto, ainda não existia qualquer substância em suas idéias. Em fato, não haviam idéias como um todo, a não ser o fato de existir a distância e a possibilidade de medidas angulares. A Geometria Plana parecia incoerente aos olhos de Ain Soph.


Ele mesmo criou o abismo no qual estava prestes a atravessar. Precisava imaginar o factual. O agora. O aqui. O material. Um quarto ponto se tornou essencial, mostrando a ele que a saída era a criação da idéia de matéria. O ponto, a linha, o plano e o sólido.


Estava completa a primeira parte daquilo que poderia ser dito como o desenvolvimento do nada para a existência de alguma coisa. No entanto, nada poderia acontecer senão a posição de certos pontos em relação aos outros e a si mesmo. Uma quinta idéia era necessária: Ain Soph pensava positivamente na existência do movimento. Ain acreditava que o mundo era perfeito.


Começava a desenhar a idéia de tempo em sua mente. Sabia, desde então, que somente através do tempo e do movimento é que algum evento poderia vir a suceder. O número 5, ou a letra Hé do alfabeto Hebreu, é condicionada à Grande Mãe universal. É o útero no qual o Grande Pai, Yod, pictoricamente desenhado como o último ponto, move-se e procria a existência ativa.


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Ain Soph passou a entender a possibilidade da idéia concreta do ponto. Autoconsciente, com um passado, um presente e um futuro. Estava, assim, criando o sexto número: o autoconsciente, capaz de viver experiências. Tudo o que ele queria, naquele momento, era explorar as possibilidades da sua descoberta. Ainda não apresentava definições muito claras dos próximos números, no entanto, ainda encostado naquela árvore da vida, de olhos fechados e em silêncio, teve a lúcida sensação da presença de Sat, a essência do ser, Chit, o pensamento e Ananda, o prazer em poder estar vivendo em si mesmo. Eram o 7,8 e 9.


Abriu os olhos e entendeu a mensagem que havia recebido segundos antes. Sabia, a partir de agora, que o absoluto deve ser ou se manter como o nada até que tome consciência de suas possibilidades e venha a se juntar às vivências de todos os tipos de possibilidades.

Ergueu a cabeça e visualizou um horizonte de luz. Entendeu que as idéias de ser, pensar e viver constituem as qualidades mínimas que um ponto deve possuir se quiser contar com algum tipo de experiência real de si mesmo nos caminhos da vida. A luz, encandescente àquela altura do dia, o fez levantar. Cerrou os olhos e, quase cego de tantas evidências, viu a esfera brilhante à sua frente: trazia o número 10 e a parte que lhe faltava do próprio nome: Ain Soph Aur, "a luz infinita".