quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Um sonho inesquecível


O velho Dente procurou, procurou, mas não achou o Felipão nos gramados do Beira Rio.


Dificilmente trago coisas do lado de lá. Na maioria das vezes tenho vagas lembranças dos sonhos. Outra noite eu tive um sonho de sonhador. Daqueles que não saem mais da cabeça até mesmo com os olhos abertos. Maluco que sou, eu sonhei:

Que o Felipão era o técnico contratado do Inter. Foi este, talvez, o sonho mais estranho da minha vida. Nele haviam apenas três figuras centrais, as quais eu recordo fisionomias. O Felipão, o meu pai Dente e o meu primo Tuta.

No sonho, meu pai é quem intermedia a negociação e faz o anúncio da chegada do Felipão ao Beira-Rio. No entanto, a apresentação do novo técnico ocorre na dispensa da minha velha casa em São Luiz Gonzaga, um espaço estreito, cheio de coisas velhas, um tanque, garrafas, sapatos usados, prateleiras empoeiradas, uma minúscula janela basculante, a máquina de lavar e a máquina de secar.

Ali estavam, sentados, o meu pai e o Felipão. Um em cima da máquina de lavar, outro na de secar.

- Vou treinar, mas tu me consegues uma camiseta do Cruzeiro ou do Palmeiras. - avisa Felipão.
- Por que? - Pergunta o meu pai.
- Porque não posso vestir a camiseta do Inter, uma vez que sou gremista - complementa o Felipão, sem mais alvoroços.

A primeira contratação dele foi o meu primo. O Tuta estava no auge da forma física. O campo de treino era o do Rancho e lá estava, solito, Luís Felipe, observando as arrancadas, piques e esforços do meu primo no campo de jogo. Não havia bola no sonho. Muito menos outros jogadores.

Havia, sim, uma passagem sinistra de ambientes. De repente, somem o Tuta e o meu pai. O sonho uma vez iniciado na lavanderia da casa onde eu já não moro mais se desfaz e, imediatamente, o cenário é outro.

Não é possível identificar qual é o estádio. É o dia do primeiro Gre-nal com o Felipão no comando dos colorados. É um ambiente de muito movimento, embora nenhuma face venha ao meu alcance.

Identifico apenas dois torcedores. Um deles com a camiseta do Inter. O outro, do Grêmio. Eles largam seus copos de cerveja e começam a discutir. O ambiente é externo ao estádio, como se fosse num acesso ou entrada. A calçada é levemente inclinada até a rua mais próxima, onde carros começam a estacionar.

A discussão fica acalourada. Neste momento, os dois homens retiram, simultaneamente, serrotes gigantescos dos seus bolsos. (?)

Também no mesmo momento, começam a serrar um a cabeça do outro. A cena é estupidamente horripilante. Eles gritam compulsivamente, como animais feridos. Mas não param de serrar. Abrem-se dois cortes. O sangue jorra. A cena ganha contornos surreais. Ouço o toque dos dentes dos serrotes nos ossos. Veias se rompem com o ruído do rompimento de enormes canos. Jorra sangue na calçada. Os dois adversários começam a entortar os joelhos. Não coordenam mais movimentos, mas ainda insistem em mandar toda a força que têm para o braço que segura o serrote. As cabeças começam a inclinar com o peso normal da gravidade. Os gritos cessam. Resta apenas um pedaço de carne antes de as cabeças rolarem. Caem os serrotes. Os dois torcedores estão ajoelhados, um em frente ao outro. Corpos retorcidos em dor e a chegada da morte. O último gesto, como se fosse combinado, é a tentativa desesperada de se segurar, antes do tombamento definitivo. Quando ambos levam suas mãos ensanguentadas à cabeça do adversário e, segurando pelos cabelos, rompem os últimos nervos que ainda mantinham suas cabeças no lugar. Rolam pela calçada, até pararem no meio fio.
Olhos abertos. O cessamento da dilatação dos últimos músculos. Na calçada, dois corpos ensanguentados. Sem suas cabeças.

Quando contei o sonho ao meu velho pai, ele não teve dúvidas:
- Devemos ir ao Beira-Rio conferir de perto a veracidade dos fatos.

Eu recordo a última vez em que estive no Beira-Rio na companhia do meu pai Dente. Foi em 1989; Naquele jogo infame, arrastaram-nos pela arquibancada, joelhos esfolados e a vaga lembrança pós partida que tenho do meu velho, tentando desamarrar a chave do carro em meio aos 19 nós que a prendiam no cordão de um calção preto. Fazia calor em Porto Alegre. Mais quente ainda era o ambiente daquele Gre-nal do século. De volta ao Beira-Rio,a inevitável confirmação do meu velho pai: Não! Não!
O Felipão não está no Beira-Rio.
Os dois torcedores sem suas cabeças?
Nunca mais os vi.
E em em sonhos os reencontro.

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